O “submarino voador” de Frederico Finelli

Fred Finelli (Foto: Guilherme Granado)

Frederico Finelli, o Fred, é um dos nomes responsáveis por fomentar o cenário independente brasileiro. Fred capitaneia o Submarine Records, selo fundado há mais de 20 anos e cujo os discos, fitas cassetes e CDs fizeram e ainda fazem parte de uma verdadeira revolução musical. Para celebrar o lançamento de uma coletânea – idealizada durante a quarentena da Covid-19 – e a disponibilização de todo o catálago da label, ambos no Bandcamp, Finelli concedeu uma entrevista ao Zine Musical contando um pouco sobre a trajetória do selo até agora:

[Zine Musical] Sabemos que você é um apaixonado pela música, mas o que te impulsionou em começar o selo?
Frederico Finelli: O Submarine surgiu do desejo de colocar música que eu gostava na rua. Depois de alguns anos como fanzineiro, e trocando muita informação, materiais, fazendo amizades, veio essa vontade e a possibilidade de dar mais um passo nessa coisa toda de difundir música independente.

[Zine Musical] Como surgiu a ideia para o nome do selo?
Frederico Finelli: Vem de mundo marinho, subaquático, submarino, que sempre me atraiu. A diversidade, energia, movimento, possibilidades que existem nesse ambiente casa com a ideia que tento conceber para o selo.

[Zine Musical] E por que a gaivota como símbolo?
Frederico Finelli: A gaivota na verdade foi uma substituição ao primeiro logo, que era um submarino. Passados alguns anos vi na gaivota um símbolo que dialogava com o mundo marinho mas não vivia somente lá. Ela se relaciona com este ambiente, com muitos dos elementos que o compõe, mas também transita por onde quiser ou tiver necessidade. E também nada mal eu pensar sei lá em San Pedro quando o Mike Watt cita a cidade. Neste caso me vem imagens de gaivotas automaticamente no meu imaginário (risos).

Logomarca da Submarine (Foto: Reprodução)

[Zine Musical] O selo começou em 1998, mas o primeiro lançamento foi a coletânea Some Songs, Some Places, Some Feelings em 1999. Como foi o desafio do primeiro lançamento?
Frederico Finelli: Iniciei o selo em 1998, foi o ano em que foi produzido o embrião do primeiro lançamento do selo, a coletânea Some Songs, Some Places, Some Feelings. O lançamento aconteceu efetivamente em 1999. Na época escolhi bandas independentes que eu gostava muito, estava acompanhando de perto, e tentei já iniciar (mesmo ainda tateando muita coisa) essa idéia de “mergulho”, explorar caminhos musicais (dentro do punk / rock alternativo / lo-fi / art rock, naquele momento) e cheguei naquela composição de artistas. Foi uma bela e empolgante experiência para um primeiro lançamento. E como eu já estava muito ligado ao funcionamento da comunicação no meio underground (por causa da intensa troca de correspondências, fanzines, demos, vinis, cds) me deu uma possibilidade de difundir, espalhar esta coletânea de uma maneira bem razoável. A tiragem foi de mil cópias em CD.

[Zine Musical] No mesmo ano, o Submarine lança o primeiro trampo do Hurtmold. Para o selo esse seria o primeiro lançamento de muitos trabalhos vindouros dessa banda magnífica. Conta um pouquinho da tua relação tão duradoura com essa rapaziada.
Frederico Finelli: Sim! Em 1999 saiu o cassete 3am: a fonte Secou… do Hurtmold. Foi um co-lançamento com a Spicy Records, que era um selo que eu era fan e aprendi muito com os idealizadores do selo (Rafael Crespo e Marcelo Fusco).

Do lado A da fitinha era a primeira demo do Hurtmold, Everyday Recording, de 1998 e no lado B músicas inéditas da banda.

Dali pra frente segui com tudo junto ao Hurtmold, lançando em 2000 seu primeiro CD, et cetera, e seguimos até hoje. São mais de 20 anos juntos lançando discos (são 6 álbuns) e produzindo shows, sem contar editando também discos e produzindo shows de vários outros trabalhos, projetos que envolvem os integrantes da banda.

O Hurtmold são meus irmãos, minha segunda família. É uma amizade, carinho e cumplicidade realmente grandes.

Fotos Hurtmold era Et Cetera (Fotos: Arquivo pessoal/Fred Finelli)

[Zine Musical] Durante os anos a gente se surpreendeu bastante com o lançamento de projetos solos desse pessoal, mas é bem legal o relacionamento que você criou com o pessoal de Chicago. Conta um pouco pra nós sobre essa conexão.
Frederico Finelli: Na virada dos anos 90 para os 2000 estávamos ouvindo bastante coisa fora do punk rock, hardcore, indie rock e estávamos realmente chapando com a cena de Chicago dessa época em torno de selos como a Thrill Jockey e Aesthetics, por exemplo.

Nessa turma tinha o The Eternals, o Tortoise, Isotope 217, Chicago Underground, Town & Country, Sticks & Stones, entre outros.

Daí em 2003 temos um capítulo importante nessa história e que acredito ter sido definitivo para firmar a coisa toda até hoje. Em 2003, o Hurtmold tinha algumas músicas (que não eram para um disco, mas um EP). E nessas pensamos em de repente fazer um split CD com alguma outra banda.

Três anos antes, o Mau passou um tempinho nos Estados Unidos e conheceu o pessoal do The Eternals, banda de ex-membros do Trenchmouth. O Mau me deu o toque de lá que tinha visto o show do Eternals, e que era foda! Eu conhecia o Trenchmouth, mas não os Eternals. Cheguei na Motor Music e encomendei o primeiro álbum do The Eternals, o de capa vermelhinha, que saiu pela Desoto/Aesthetics em 2000. Claro, demorou pra chegar este CD que encomendei, mas como valeu a pena! Ouvi aquele disco e aí estava mais uma banda que fodeu minha cabeça. Beleza, passou aí um bom tempo, chegou a hora de definir este novo lançamento do Hurtmold. O Eternals era o nome a ser sondado.

Escrevi para o Aesthetics, selo que lançou o disco deles, propondo e rapidamente retornaram positivamente! Esquema punk, músicas pra cá, uma quota de discos pra lá, e prensamos mil CDs split.

Nessas pensamos num passo além: Vamos trazer o Eternals pra tocar no Brasil? Era algo dificil de pensar. Como fazer isso? Mais uma conversa com o Mau e o Gui e a coisa começou a se desenvolver. O Rodrigo Brandão (ex- Mamelo Sound System, Ekundayo, Zulumbi, produtor do Festival Indie Hip Hop, Bartuque) acompanhava o Hurtmold de perto, ele conhecia a banda, os moleques e a Sub (mesmo não me conhecendo pessoalmente até então). Ele também curtia o The Eternals e nessas deu uma força e foi peça fundamental trazendo o trio para um show no Sesc Pompéia. (numa análise mais ampla, o Rodrigo é uma das figuras catalisadoras de muita coisa boa que aconteceu e rola até hoje com a gente). E este seria o show de lançamento do split Hurtmod/The Eternals em SP.

Frederico Finelli, Mauricio Takara e Guilherme Granado, no Rio, em 2016 (Foto: Mario Cappi)

E nessa mesma tour (Hurtmold/The Eternals) acontece mais um episódio bem marcante na nossa vida. Na semana do show das duas bandas em BH, recebi um e-mail de um cara dizendo que era americano, mas tinha uma esposa brasileira e estava passando um tempo em Brasília/DF. E que ele ficou sabendo que os Eternals iriam tocar em Belo Horizonte/MG, que eles eram seus amigos e ele estava indo pra BH pra encontrá-los, ver os shows e nos conhecer também.

Beleza, até que eu fui ver a assinatura do e-mail: Rob Mazurek. Lembro de ficar olhando pra tela do computador sem saber o que fazer. Se eu ligava pro Mau e o Gui, se eu respondia o email com meu “crazy english”, se eu deletava e fingia que não foi comigo. Lembro de ter ficado bem descompensado (risos).

Chegou o sábado, Hurtmold e Eternals em BH, os encontrei, levei os Eternals para o hotel, o Hurtmold ficou comigo de rolê e ainda iam gravar um videoclipe da Telê, som do split antes da passagem de som.

Daí me aparece o Rob com a mesma expressão (que hoje conheço bem), uma espécie de gênio folião, extremamente doce e atencioso. Sei que no dia seguinte recebi um telefonema dele, que possivelemente entendi 20% do que ele falou. Lembro de agradecer e que a gente se encontraria.

Desliguei com o coração a milhão e pensei: Nossa! Eternals, Rob Mazurek e Hurtmold, tudo em um sábado!

A partir daí o Rob entra definitivamente na nossa vida né? Começa a conversar com o Mau, com os moleques, mantém contato comigo.

São Paulo Underground: Rob Mazurek (Foto: Ariele Monti)

O Rob tem um tipo de inquietude que me encanta. Quando chegou nos meus ouvidos as primeiras coisas do Chicago Underground (principalmente o Duo) e o Isotope 217, vou te falar que fiquei meio desorientado.

Como falei, tanto ele como essa turma de Chicago me ajudaram muito para que eu ouvisse de forma mais leve essa sonoridade que seja jazz, a música avançada, experimental, de vanguarda. E foi realmente libertador isso pra mim. Junto com o Rob também uma turma mais ligada ao punk, ao rock mesmo, como o Dan Bitney, o John Herndon, os Eternals. Nessas a gente aqui absorvendo tudo isso, o Hurtmold surgindo. Daí quando realmente o Rob chegou até nós, pensei: Meu Deus, conhecemos o Rob pessoalmente! Foi intenso, mas fiquei pensando, vai passar aí 15 dias, o cara tá no corre dele e beleza, nem vai se lembrar da gente. (risos).

E não foi nada disso. Poucos dias depois ele já estava escrevendo ou ligando para os caras do Hurtmold, mandando e-mail pra mim, e falei comigo mesmo: É, o Rob pirou na nossa. Curtiu a gente mesmo. Na sequência teve o Sónar em SP (2004) e Barcelona (2005) e a coisa desandou (no melhor sentido da palavra).

São Paulo Underground (Foto: Ziga Koritnik)

Não tenho dúvidas ao dizer que a trajetória do selo, e posteriormente do booking (Norópolis) sofreu um chacoalhão com a chegada do Rob. Por que ter ele por perto era e é certeza de bem estar, um cara que agrega, harmoniza e nessas acho que ele nos incentivou muito a dar sequência nas nossas atividades.

Ele é um motivador por natureza e acho que rola uma troca muito intensa de energia.

[Zine Musical] A propósito, faz tempo que você mudou de Belo Horizonte para São Paulo? Essa transição foi meio que uma necessidade de impulsionar mais o selo?
Frederico Finelli: Eu me mudei para São Paulo no final de 2003. Ainda no meio deste ano, o Hurtmold se apresenta em BH no Festival Eletronika, e mais uma boa aparição da banda. Ali comecei a sentir que talvez São Paulo fosse meu destino. E em 2003 ainda lançamos o primeiro disco solo do Mau, chamado M.Takara.

Mauricio Takara (Foto: Caroline Bittencourt)

Paralela a essa minha sensação de que SP poderia ser meu destino, o Marcelo Fusco (baterista do Againe e Auto e que comandava a Spicy Records com o Rafael Crespo) me convida para ser sócio dele numa loja de discos, a Trezeta.

Daí pensei, bom, tenho uma grana aqui do meu acordo de desligamento como supervisor administrativo na Secretaria Municipal de Saúde de BH. Quer saber? Vou! E estamos aí.

Acruz Sesper na Associação Cultural Cecilia, em 2015 (Foto: Arquivo pessoal/Regis Bezerra)

[Zine Musical] Recentemente, a Submarine tem lançado bastante coisa do Acruz Sesper, projeto do Alexandre Cruz. Como se deu essa parceria?
Frederico Finelli: Bom, o Farofa (Alexandre Cruz) e o Garage Fuzz são fundamentais para a minha formação. Vi o primeiro show do Garage Fuzz em 1994, em Belo Horizonte, com o IML (época da demo Desire), Dread Full e Dead Fish (estavam com a demo Re-Progresso).

Anos acompanhando o Garage Fuzz, o Farofa em suas atividades na 358 Records – que lançou o CD do Small Talk –, além de seus trabalhos como artista gráfico e plástico.

Tem uma história boa aí. No dia do meu aniversário de 39 anos, outubro de 2015, eu estava na galeria Nova Barão e fui até até a loja The Records (hoje Sub Discos) e eu fui lá para dar pra mim mesmo de presente a edição especial em vinil do Relax in Your Favorite Chair, que tinha saído em 2014 se não me engano. Estou lá comprando o disco e de repente o Farofa me entra na loja! E tinha um bom tempo que não nos falávamos. Daí começamos a conversar e lembrarmos de umas coisas e ficamos naquelas: vamos fazer algo aí.E na época ele estava iniciando seu trabalho autoral como Acruz Sesper, tinha lançado um compacto especial com artes pela Rolo Seco.

Eu tinha ouvido as músicas desse compacto e inclusive tinha ido ao lançamento e achado muito bom! Foi realmente algo que me marcou aquele encontro na loja de discos e as circunstâncias. Saí de lá fritando meio que doidera foi essa.

Daí na sequência, conversamos e lançamos juntos via Submarine e Rolo Seco, em 2016, o vinil 10″ Not Count For Spit e, em 2019 um split LP, lançado junto com o Rolo Seco e a Assustado Discos. De um lado seu trabalho solo tascam set e do outro a formação em trio com o Giuliano Belloni na bateria e o Fernando Denti no baixo. E daí realizamos tours, shows e lancei trabalhos em cassete também.

Nestes últimos 5 anos estive muito próximo do Farofa, e fizemos bastante coisa, trocamos muitas, mas muitas idéias. É uma pessoa muito especial pra mim.

[Zine Musical] Não podemos deixar de mencionar a Againe, que lançou com vocês o histórico Sem Açúcar, e o split com o Garage Fuzz, numa parceria entre selos, certo?
Frederico Finelli: Sem dúvidas! Dois lançamentos que tenho muito carinho e felicidade em ter contribuído, lançado. Againe, banda do coração e o Garage Fuzz uma referência fundamental na minha formação. E ao vivo duas bandas que adoro assistir.

[Zine Musical] A Norópolis também trabalha com muitos artistas que lançaram pelo Submarine. Podemos dizer que ambas são a mesma coisa?
Frederico Finelli: A Norópolis surge em 2008 e tenho que ‘culpar’ a Angela por isso – ela trabalhou comigo na Submarine entre 2004 e 2013 e hoje tem o selo e booking Brava Etc., responsável por lançar e produzir shows aqui no Brasil de artistas como Faust, Lydia Lunch, Wolf Eyes, Child Abuse, Pharmakon, Bugio, entre outros.

Fred e a mão de Angela (Foto: Matana Roberts)

Eu era um pouco relutante na época sobre abrir para bandas que não necessariamente eram do selo, eu tinha uma idéia meio pessimista de que não era a mesma coisa a relação e amizade que eu tinha com o Hurtmold e satélites (Mazurek, The Eternals) e obviamente eu não tinha mesmo.

Mas a Angela me fez aos poucos entender que ao nosso redor tinham bandas extra selo que gostávamos e por que não? E nessas acabou que o Elma foi lançado posteriormente pela Submarine e o Objeto Amarelo também, em um registro colaborativo com o Rob Mazurek.

A partir do momento em que pegamos a função mesmo de cuidar dos shows dos artistas do selo, a gente foi aprendendo na prática, no dia a dia, nas demandas de cada produção. Acertamos, erramos e continuamos aprendendo o tempo inteiro. Frederico Finelli

Até 2006/2007 a gente tinha feito, de shows internacionais, o The Eternals, trabalhos com o Rob (shows solo, colaborativos com o Hurtmold e São Paulo Underground) e participando de um ou outro show como assistentes de produção, ‘runner’ e tal. Daí na virada de 2007/2008, lembro bem da Angela me falar mais incisivamente sobre um booking. Buscar produções também com bandas extra selo nacionais que a gente gostava. E, por que não, internacionais? Nessas surge a Norópolis, que é uma espécie de cidade sônica, onde os seus moradores (artistas residentes do booking), vizinhos (artistas internacionais que trazemos) são ‘noróticos’ (que é um termo interno de amigos). Eu adoro o som dessa palavra, a intenção dela… tipo, ‘nossa esse disco do Anti-Pop Consortium é norótico!’ (risos). Daí virou Norópolis.

[Zine Musical] Fale sobre esse lançamento de 20 anos com 20 bandas. E vem mais novidade por aí nesse ano, ou a pandemia matou todos os planos e ficou para 2021?
Frederico Finelli: Na verdade trata-se de uma coletânea chamada Quarentanea 2020. São 20 faixas de 20 de artistas lançados pelo selo ao longo desses quase 21 anos de atividades e que estão ativos ou produzindo mesmo que esporadicamente. Os convidei e sai agora em junho em formato digital no Bandcamp do Submarine. Todas as faixas são inéditas ou nunca lançadas anteriormente. Este lançamento marca também a abertura da página do selo no Bandcamp e a minha ideia é disponibilizar todo o catálogo do selo (mais de 40 lançamentos em CD, vinil e cassete) nos próximos meses.

Edição: Michel Pozzebon
(Zine Musical)

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